Em recente decisão, o STJ determinou que vítimas de violência doméstica devem ser ouvidas antes que medidas protetivas aplicadas contra os seus agressores sejam extintas. A decisão, inédita, pacifica diferentes entendimentos sobre o tema que surgiram na corte superior nos últimos anos e já pode ser adotada por tribunais de todo o país.
O caso analisado pelo ministro chegou ao STJ em 2018, por intermédio do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública de São Paulo. Uma vítima reivindicava que as medidas cautelares aplicadas contra o seu agressor fossem mantidas mesmo após seu processo judicial ser considerado extinto.
Esse tipo de medida impede, por exemplo, que o autor de um crime de violência doméstica se aproxime da residência da mulher agredida ou tente contato com ela.
Diferentemente de processos criminais, a Lei Maria da Penha prevê que medidas protetivas sejam aplicadas independentemente se um homem é declarado ou não culpado, desde que seja comprovado que a mulher se encontra em situação de perigo ou de violência. A ideia é, sobretudo, prevenir um crime antes que ele eventualmente ocorra.
“O procedimento [que vigorava antes da decisão] condicionava a proteção das mulheres ao desfecho de um processo criminal. A medida protetiva era revogada sem verificar se havia risco ou não para mulheres”, afirma a defensora pública Nalida Coelho Monte, que levou o caso ao STJ.
Vítimas de violência devem ser ouvidas
A decisão da corte superior ainda pode proteger mulheres em casos em que as ações judiciais se extinguem por demora ou ineficiência na investigação. Além disso, a nova jurisprudência poderá resguardar vítimas que não desejam abrir um boletim de ocorrência contra o seu agressor —seja por não confiar nas autoridades policiais ou por receio de alguma outra represália—, mas que ainda querem se ver protegidas.
“A revogação de medidas protetivas de urgência exige a prévia oitiva da vítima para avaliação da cessação efetiva da situação de risco à sua integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial”, decidiu o ministro Sebastião Reis Júnior
“Tem-se que, antes do encerramento da cautelar protetiva, a defesa deve ser ouvida, notadamente para que a situação fática seja devidamente apresentada ao juízo competente para que, diante da relevância da palavra da vítima, verifique a necessidade de prorrogação ou concessão das medidas, independente da extinção de punibilidade do autor”, afirmou ainda.
O recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo à corte superior foi respaldado por um parecer jurídico assinado pelo Consórcio Lei Maria da Penha, responsável pelo projeto que fundamentou a norma contra a violência doméstica.
Para Nalida Coelho Monte, a decisão do STJ sana uma das principais divergências em torno da Lei Maria da Penha e que diminuía a sua eficácia.
“Esse julgamento traça contornos de como a lei pode ser efetivada, por exemplo, estabelecendo que a medida protetiva não pode ser extinta sem que a mulher seja ouvida antes para verificar se persiste a necessidade de mantê-las ou conceder outras mais adequadas ao caso”, afirma a defensora pública.
Há dúvidas, no entanto, sobre o grau de adesão à aplicação da jurisprudência do STJ por juízes de todo o país. “Há uma resistência muito grande por parte do Judiciário em aplicar a lei em uma perspectiva de assistência à mulher e à prevenção”, afirma Monte.
A decisão da corte se soma à mudança legislativa feita na semana passada na Lei Maria da Penha. Na quinta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma proposta que altera a Lei Maria da Penha para incluir o direito a medidas protetivas imediatas para mulheres vítimas de violência.
Dessa forma, os juízes apenas poderão indeferir um pedido de medida protetiva se identificarem que não há risco para a integridade das mulheres.
A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados no fim de março. Ela é de autoria da ex-senadora Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento do governo Lula.
O texto determina que a Lei Maria da Penha passará a ter um artigo prevendo que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas pelos juízes de maneira sumária a partir do depoimento da vítima para uma autoridade policial ou ao apresentar suas alegações escritas.
“Essa é das poucas alterações legislativas da Lei Maria da Penha que, de fato, é conectada com a realidade das mulheres. Tanto é assim que foi articulada por um Consórcio de ONGs feministas”, afirma a defensora pública Nalida Coelho Monte.
A violência contra a mulher fere o princípio da dignidade humana, e deve ser combatida em todas as suas formas.
Não tenha medo! Você não está sozinha! Contar com um escritório de advocacia especializado em casos de violência doméstica e familiar é muito importante.