Seja por disposição legal, seja por orientação dos tribunais superiores, acusações não podem se basear exclusivamente em acordos de leniência, que não são elementos de prova, faltando justa causa para instauração do processo.
Há sérios questionamentos quanto à legitimidade e validade dos chamados acordos de leniência, em que a parte interessada em se beneficiar com a delação fornece depoimentos e informações às autoridades investigadoras sem o firme compromisso de prová-los, em troca de vantagens e benefícios. Não por outro motivo o instituto foi sendo, ao longo do tempo, bastante modificado, em especial diante do advento da chamada nova lei antitruste (Lei 12.529/11) e, notadamente, a Resolução CADE n.º 5/2013, passando a exigir a confissão e a contribuição do interessado como condição sine qua non para obtenção do benefício.
O acordo de leniência sem ser acompanhado de provas não passa de uma declaração parcial e interessada, elaborada de forma unilateral e secreta, com acompanhamento de um advogado, com o propósito escancarado de obter vantagem material (redução de contribuição), dando-se, portanto, absolutamente à revelia do contraditório e do devido processo legal.
Na advertência do e. STF, o manejo do instituto da “delação por benefício” implica muito cuidado e cautela do Estado, sendo que a contribuição do acusado deve ser vista com reservas, pois “é possível que os seus depoimentos sejam contaminados pelo desejo de obtenção de leniência”, isto é, do benefício.
Por esses motivos, tanto a Lei n.º 12.850/2013, em seu art. 4°, §16, como os Tribunais Superiores (STF/STJ) entendem que acordos com investigados não podem embasar sozinhos uma denúncia. Funcionam apenas como meios de obtenção de provas. Podem até dar início a um inquérito, mas nunca instruir qualquer acusação.
Conforme entendimento sedimentado pelo STJ, para que haja condenação de corréu delatado, é necessário mínimo lastro probatório.
A jurisprudência do STF se firmou no sentido de que a celebração de acordo “não é meio de prova”, sendo, outrossim, “legalmente disciplinada como instrumento de obtenção de dados e subsídios informativos”.
Especificamente no tocante ao processo administrativo sancionador, a descrição dos fatos e circunstâncias da acusação envolve também a descrição precisa do mercado onde se teria dado a infração, sua duração e a conduta específica dos acusados, indicando o que teriam feito e de que forma a alegada conduta teria potencial de afetar a concorrência.
A jurisprudência do Tribunal do CADE já julgou, em inúmeras oportunidades, ser insuficiente a apresentação de meras declarações e documentos produzidos unilateralmente como meios de prova hábeis a demonstrarem a ciência e participação de empresas no âmbito de acordos anticompetitivos.
A doutrina e a jurisprudência do CADE, TCU e de Tribunais Superiores são no sentido da ilegalidade na instauração de processo baseado exclusivamente em informações contidas em acordo de leniência, por falta de justa causa. As informações obtidas por meio desse instrumento não são meios de prova.
Quando se está diante de um consórcio, a jurisprudência do TCU, que, por analogia, pode ser aplicado pelo CADE levando-se em consideração os padrões de prova aceitos, é no sentido de que não haverá responsabilidade solidária de uma consorciada pelos ilícitos cometidos por outras, em linha com o princípio da individualização da pena, caso não se detecte nexo entre a ação da então dita “beneficiada” e da participante direta. Entendimento contrário promove grave ofensa aos direitos e garantias fundamentais, em especial o princípio da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, inc. LXV, da Constituição de República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB.
O acordo de leniência é um excelente mecanismo de combate à corrupção, porém, é preciso ter em mente que é um instrumento de investigação que carece de prova em decorrência da possível apresentação, pelo colaborador, da versão mais adequada à sua defesa, com vistas exclusivamente à obtenção dos benefícios.
Por: Rafael Ferracina
Para: LexLatin