Guarda compartilhada de cães firmada em cartório impede busca e apreensão

De forma unânime, a 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC entendeu que a guarda compartilhada de cães firmada em cartório por um ex-casal impede busca e apreensão. O entendimento é de que não é possível deferir a medida cautelar com base em vínculo afetivo, se as partes estabeleceram o regime de guarda em contrato particular.

No caso, o ex-casal firmou um contrato de guarda compartilhada de dois cachorros após a dissolução da união estável. O contrato estipulou que os animais ficariam sob os cuidados do homem, com permanência alternada em favor da mulher.

A ação

Conforme consta nos autos, o autor afirmou que a ex-companheira não devolveu os animais na data combinada. Argumentou que foi até a residência da mulher e conseguiu “resgatar” o cachorro macho, mas ela teria se recusado a devolver a fêmea.

Em resposta à citação, a mulher justificou que os animais foram dados a ela pelos pais – a fêmea teria, inclusive, sido um presente de aniversário da própria mãe. Alegou ainda ser ela quem cuidava e dava carinho aos cães, os quais ficaram residindo com ela na casa do casal após a dissolução da união estável.

Ainda segundo a mulher, o ex-companheiro deixou de pagar as contas básicas da casa, o que a obrigou a voltar a residir com sua mãe. Foi nessa época que o homem teria buscado os animais sem o seu consentimento e efetuado o registro de guarda unilateral.

Por fim, a mulher explicou que foi realizado um contrato de guarda compartilhada. O ex-companheiro, no entanto, teria ido até a sua casa antes do prazo estipulado para buscar os cães, ocasião na qual conseguiu levar apenas um.

O pedido do autor foi indeferido em primeiro grau. No recurso ao TJSC, o homem justificou que o vínculo afetivo com os animais não foi levado em conta.

Segundo ele, a sentença de origem tratou os animais como meros objetos, motivo pelo qual requereu o provimento do recurso para a reforma da sentença.  Ao avaliar o recurso, porém, a relatora concluiu que cada cão deve permanecer na residência do guardião responsável por seus cuidados.

“Não obstante, o acórdão tenha considerado a priorização do vínculo afetivo estabelecido entre o ser humano e o animal e reformado o entendimento firmado pela magistrada de que a partilha dos animais deveria se dar pelo prisma do direito de propriedade, restou determinada a manutenção do compartilhamento da guarda e o direito de visitas nos termos do acordo realizado entre as partes, com a ressalva de que cada cão permanece na residência daquele guardião que exerce os seus cuidados”, registrou.

Processo: 0301188-08.2018.8.24.0057.

Acordo

“Alguns casais estipulam em contrato o que sucederá com seu animal de estimação em caso de rompimento da relação. Em havendo um contrato, estes devem respeitar o acordo. Caso contrário, um pedido poderá ser feito ao juiz para que seja respeitado.” É o que explica a advogada Tereza Rodrigues Vieira, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Segundo a especialista, o animal de estimação é um ser vivo senciente e, portanto, não pode continuar a ser considerado propriedade. “Apesar de nenhum texto legal atual prever disposição especial concernente ao animal de estimação, em caso de separação do casal, este animal deverá ser tratado de maneira especial, considerando suas peculiaridades.”

Se o ex-casal não chegar a um acordo, este poderá solicitar um mediador para ajudá-los a encontrar um ponto em comum. Assim, os ex-cônjuges/ex-companheiros poderão determinar quem cuidará do animal, quem cobrirá as despesas relacionadas ao animal e em que proporção”, esclarece.

A advogada afirma que as partes também podem organizar um cronograma de guarda compartilhada ou até de “direitos de acesso” para passear com o cachorro alguns dias da semana.

Caso o acordo não seja possível, acrescenta Tereza, pode-se recorrer ao Judiciário. “O juiz poderá determinar o cumprimento do contrato que prevê como será compartilhada a guarda do animal em caso de rescisão.”

Ela exemplifica: “Se o animal tiver sido adotado para o filho do casal, o magistrado poderá decidir que ele siga o filho. Este poderá ser o caso se a presença do animal ajudar a melhorar a saúde da criança, como um cão de serviço ou outro animal adquirido por motivos terapêuticos. Poderá o juiz, inclusive, ordenar que as despesas de manutenção do animal sejam divididas entre os ex-cônjuges/companheiros”.

Vínculo

Tereza Rodrigues Vieira explica que os animais ainda são legalmente considerados semoventes, ou seja, propriedade – “embora já se lute há muito tempo para que a sensibilidade e a senciência dos animais de estimação sejam reconhecidas pelo Direito, uma vez que o vínculo entre os animais e os seres humanos tem-se fortalecido e assumido grande importância nas famílias.”

“Felizmente, a jurisprudência e a doutrina brasileira já reconhecem a afetividade nas relações da família multiespécie como bem ressaltamos na nossa obra ‘Família Multiespécie: animais de estimação e Direito’”, lembra.

De acordo com a especialista, quem adotou o animal, antes de iniciar a relação, terá a guarda após a separação. No entanto, ela destaca: “As pessoas devem encontrar uma solução amigável, posicionando-se consoante o bem-estar do animal e não visando o seu próprio interesse”.

“Pode-se dizer que, quando a residência habitual dos filhos é fixada com um dos pais, é comum que o juiz de família confira a guarda do animal a esse progenitor, pois os laços de apego das crianças ao animal também são considerados”, pontua a advogada.

Guarda

Tereza reconhece que a guarda alternada do animal é uma possibilidade. “Os ex-cônjuges são livres para se organizarem entre si, de forma amigável.”

“Em geral, em caso de separação, quem fica com a guarda do animal arca naturalmente com as custas. Contudo, amigavelmente, os ex-cônjuges podem fornecer uma quantia mensal paga para a sua manutenção, vacinas e custos veterinários. O juiz também poderá determinar sobre a manutenção e tratamento”, comenta.

Ainda segundo a especialista, a maioria das decisões nesta seara tem considerado vários critérios, entre eles, o bem-estar do animal, vínculos de afeto e apego, o tamanho do alojamento, condições de vida do animal e capacidade de cuidar do animal.

“O solicitante da guarda deve comprovar que pode cuidar do animal no dia a dia, caminhar com ele e levá-lo ao veterinário. Isso envolve não deixar o animal sozinho por muito tempo, estar disponível e saber cuidar dele”, frisa.

Desafios

Para a advogada, a separação de um casal, com ou sem animais de estimação, é sempre conflitante. O diálogo, segundo ela, é essencial para “minimizar conflitos e tensões relacionados à guarda conjunta de animais de estimação, sem mágoas ou sentimentos de vingança”.

“O cuidado conjunto de animais de estimação pode ser uma opção viável, mas deve ser abordado com cuidado, uma vez que pode levar o animal ao sofrimento. O bem-estar animal deve conduzir a decisão”, observa.

Tereza sugere que consultar um advogado ou mediador é importante para que o acordo funcione para ambas as partes, e para o próprio animal. “Ao se ponderar sobre a guarda conjunta, há que se considerar as necessidades e sentimentos do animal, bem como a adaptação do animal a dois espaços de convivência.”

“É possível que, na prática, a guarda conjunta não seja a melhor opção para alguns ex-casais, podendo os mesmos refletirem sobre outras soluções, tais como: cuidados apenas nas férias escolares, cuidados quando o outro está impossibilitado em decorrência de doença, viagem, exames. Em todos os casos, é importante colocar em primeiro lugar as necessidades do animal e ter em conta o seu bem-estar e conforto”, conclui a especialista.

Fonte: IBDFAM