Redução da jornada de trabalho para pais de criança autista

Redução de jornada para pais de criança autista

Em decisões recentes, diversas Turmas do Tribunal Superior do Trabalho têm reconhecido o direito à redução da jornada de trabalho ou a sua flexibilização – sem prejuízo salarial e sem a necessidade de compensação –para pais de criança autista.

Esse direito atinge diretamente funcionários públicos.

A Lei 13.370/2016 concedeu aos servidores públicos federais o direito a redução do horário de trabalho sem redução dos vencimentos. Isso caso possuam cônjuge, filhos ou dependentes com deficiência.

Antes, pela lei 8112/1990, esse direito era garantido somente ao “servidor portador de deficiência”. (era assim que a lei definia a pessoa com deficiência).

Apesar da lei falar em redução para servidores públicos federais, esse mesmo direito se estende a servidores estaduais e municipais.

Muitos estados e municípios já reconheceram o direito através de leis próprias, mas, para quem não tem previsão legal, a lei federal pode ser utilizada.

Certamente, nem todos os pais, cônjuges ou responsáveis têm esse direito a redução, sendo necessária a efetiva comprovação da necessidade.

O que precisa ser comprovado?

  • Que a pessoa com deficiência necessita das terapias,
  • Não tem ninguém que possa acompanhá-la nas terapias,
  • A ausência do acompanhante (servidor público) causa prejuízo ao desenvolvimento da pessoa com deficiência,
  • Que a licença não renumerada inviabilizaria o custeio das despesas da família e da pessoa com deficiência.

O pedido é baseado não somente na Lei 13.370/2016, mas no Estatuto da Criança e adolescente (no caso de a pessoa com deficiência ter menos de 18 anos), na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, na Lei Brasileira de Inclusão e na Lei 12764/2012.

Como solicitar a redução da jornada de trabalho para pais de autista?

Primeiramente, para solicitar essa redução o servidor público deverá procurar o departamento pessoal ou órgão equivalente onde trabalha e fazer a solicitação administrativamente.

Cada órgão tem sua relação de documentos e formulários próprios. Porém, todos tem um único objetivo: comprovar a necessidade que a pessoa com deficiência tem de um acompanhante, a prova de que somente o servidor público é a pessoa que pode acompanhar e o prejuízo que a falta deste trará ao desenvolvimento e dignidade da pessoa com deficiência.

Lembramos que esse direito serve para pais, cônjuges ou responsáveis por pessoas com deficiência.

Normalmente a redução é de 50% da carga horária sem qualquer redução nos vencimentos.

Caso esse direito não seja reconhecido administrativamente, então o servidor deverá ingressar com esse pedido em juízo através de advogado. Procure alguém de confiança e cuidado ao pagar os honorários integrais antecipadamente.

E no caso de empresas privadas?

Esse direito também pode ser exercido por quem trabalha na iniciativa privada, mas recomendamos que só façam isso através de acordo entre as partes.

Se você trabalha em uma empresa privada e solicitar a redução de horário sem redução de salários dificilmente conseguiria, e se conseguir, seria através de acordo entre as partes.

Existe a possibilidade de fazerem um acordo de redução de carga horária e redução de salário proporcional.

Caso não entrem em acordo, você poderia solicitar essa redução em juízo.

O problema desta última possibilidade é que você pode até ganhar o processo, mas o empregador poderia te dispensar quando quisesse (desde que pagasse todas as verbas rescisórias).

Resumindo: você até pode conseguir a redução de carga horária em juízo, mas poderia perder o emprego a qualquer momento.

Portanto, para pessoas que trabalham na iniciativa privada, recomendamos a redução única e exclusivamente se houver acordo entre empregador e empregado, caso contrário, a relação de emprego estaria extremamente vulnerável, afinal funcionários da empresa privada não gozam de estabilidade.

Garantia fundamental

O primeiro caso, julgado pela Sétima Turma, foi o recurso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) contra decisão favorável a uma técnica de enfermagem de Juiz de Fora (MG). Ela fora aprovada em concurso público para jornada de 36 horas semanais e argumentava, na reclamação trabalhista, que criava sozinha a filha com TEA, nascida em 2015, e precisava de tempo para em sessões de terapia ocupacional, fonoaudiologia, pediatria e outros tratamentos indispensáveis ao seu desenvolvimento sadio.

A empresa pública, por sua vez, sustentou que a empregada, que optara pela jornada de 12×36, trabalhava apenas três dias por semana e podia se dedicar aos cuidados da filha nos outros quatro. Também argumentou que não há previsão legal que assegure o direito à redução de jornada.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) deferiu o direito à redução da jornada, por entender que a participação direta da mãe é imprescindível para que o tratamento da filha tivesse eficácia, e a não concessão de horário especial viola direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. Um dos fundamentos da decisão foi a aplicação analógica do RJU (parágrafos 2º e 3º do artigo 98), que prevê horário especial a servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.

Princípios protetivos

O relator do agravo da Ebserh, ministro Renato de Lacerda Paiva, sublinhou que a Lei 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, demonstra as características da síndrome e enquadra os seus portadores como “pessoas com deficiência para todos os efeitos legais”. Por sua vez, a Constituição Federal estabelece uma série de princípios e regras protetivas para as pessoas com deficiência, “com “absoluta prioridade” à criança e ao adolescente”, e atribui obrigações ao Estado e às famílias como instrumentos principais no resguardo e proteção. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Brasil, complementa o ordenamento jurídico com diretrizes e políticas a serem adotadas na proteção dessas pessoas. 

Portanto, para o ministro, o TRT acertou ao aplicar, por analogia, o disposto no RJU, diante da ausência, em normas internas da empresa ou na legislação, do direito à redução da jornada.

Igualar na medida das desigualdades

No segundo caso, a Terceira Turma reconheceu o direito à redução da jornada a uma enfermeira emergencista do Município de Pirassununga (SP), cujo filho, nascido em 2018, também é portador de TEA.  

Na reclamação trabalhista, o juiz de primeiro grau entendeu que a redução da jornada em 50% não se trata de conceder um benefício assistencial à enfermeira nem de violar os princípios da igualdade e da impessoalidade na administração pública, mas de “tentar igualar, na medida das suas desigualdades, as pessoas com necessidades especiais aos demais cidadãos, dando um mínimo de condições para que a criança com transtorno de espectro autista possa gozar dos seus direitos humanos e ter a sua dignidade como pessoa respeitada”. 

Contudo, o TRT da 15ª Região (Campinas/SP) afastou a medida, por entender que se trata de uma concessão específica a integrantes do serviço público federal, sem correspondência com qualquer outro direito previsto na CLT.

Casos semelhantes

O relator do recurso da enfermeira na Terceira Turma, ministro José Roberto Pimenta, ressaltou que, ao examinar casos semelhantes envolvendo servidores municipais ou estaduais, o colegiado tem reconhecido o direito postulado. Embora, a rigor, as disposições do RJU não sejam aplicáveis a uma servidora municipal, o ministro assinalou que a falta de legislação municipal não pode suprimir o direito essencial que decorre da CPDP, chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 186/2008, combinada com a Constituição Federal. 

(DA, NV)

Processos: AIRR-11138-49.2020.5.03.0035 e RR-10086-70.2020.5.15.0136